Depois de um ano dos relatos dos primeiros casos da enfermidade misteriosa que, pouco depois, seria conhecida como COVID-19, estamos todos exaustos. Tem sido difícil conviver com as dores físicas e emocionais causadas pela doença, a perda de pessoas queridas – são mais de 1 milhão e oitocentas mil mortes pelo mundo, as medidas restritivas de controle de transmissão (as únicas eficazes nessa luta) e os efeitos econômicos da sua adoção… não é à toa que há tanta ansiedade por uma “solução definitiva”, uma “pílula mágica” ou – o assunto do momento – uma “vacina imbatível”. Todos nós, cidadãos, desejamos ardentemente isso. Mas nós, cientistas, precisamos deixar as emoções de lado e trabalhar de forma técnica. Afinal, em que pé estamos com relação às vacinas? O que as pessoas precisam saber?

Antes de mais nada, o óbvio precisa sempre ser dito (até porquê, nos dias atuais, o óbvio nem sempre é tão claro assim para todo mundo): transparência é característica obrigatória para todo e qualquer produto médico desenvolvido. Todos precisamos saber exatamente como este produto foi feito e o que esperar dele. Quando alguém descobre uma molécula ou cria um composto para ser usado na saúde das pessoas – e que pode ser um remédio ou vacina, por exemplo – existem muitas regras para que este produto chegue até você e isto leva certo tempo. Não é simplesmente “criei, vendi”. Muito pelo contrário.

No caso das medicações e vacinas, toda a indústria farmacêutica é regida através de regras rígidas, que visam garantir segurança e eficácia máximas de tudo o que você consome. Além destas regras, este desenvolvimento é publicado em revistas científicas para que todos os outros cientistas ao redor do mundo possam entender, questionar e criticar estes processos. O objetivo é  que tenhamos todos a certeza de que o que chega até os pacientes é fruto de trabalho sério, ético, correto, seguro e que cumpre o que promete.

Além disso tudo, ainda existem as agências nacionais – cada país costuma ter a sua – que checam o cumprimento destas normas acima e de outras específicas de cada nação. São instituições que funcionam como uma salvaguarda da população: ser aprovado por uma agência desta significa que o produto passou por uma análise bastante criteriosa e que está autorizado a ser comercializado no país. Um produto como uma medicação ou vacina só podem ser comercializados no país sem a aprovação destas agências em casos absolutamente excepcionais (o STF decidiu sobre isso em 2019, leia aqui). No caso brasileiro, esta agência é a ANVISA.

Agora vamos entender as principais vacinas contra a COVID-19 em discussão hoje – 13 de dezembro de 2020. Vou explicar o mecanismo de funcionamento de cada uma, o que se sabe delas até agora, se e onde estão sendo usadas no momento e, se possível, em que ponto estão em termos de aprovação pela ANVISA. Lembrando que temos hoje mais de 140 vacinas contra a COVID-19 em desenvolvimento em todo o mundo, mas vamos discutir apenas algumas delas. Se você ainda tiver dúvida sobre o que é uma vacina e por que razão precisamos delas, dê uma lida nestes posts publicados há 7 meses (que mais parecem anos!): “Luz no Fim do Túnel – parte 1 e parte 2“.

 

VACINAS DE mRNA – Moderna, Pfizer/BioNTech

  • Mecanismo: mosso organismo é composto por trilhões de células, que funcionam como pequenas fábricas que, juntas, compõem toda a máquina do nosso corpo. Cada uma dessas células contém nosso código genético, que funciona como um manual de instruções de tudo o que acontece por ali. Não há nada que a célula faça que não esteja contida nesse manual de instruções, que é lido toda vez que alguma tarefa ou função precisa ser executada por ali. Se há algum erro neste manual – alguma informação incorreta ou que é lida de forma equivocada – pode ser que isso leve a doenças. Aliás, este é um dos alvos das terapias genéticas: e se pudermos “reescrever” as partes erradas deste manual, conseguiríamos evitar o surgimento ou mesmo curar determinadas doenças? Mais do que isso: será que conseguimos mandar a instrução para as células criarem uma defesa contra determinados microorganismos sem que elas precisem encontrar com eles de verdade? As vacinas que se utilizam da tecnologia de mRNA partem exatamente desta ideia: elas levam até a célula a mensagem que as ensinam a identificar o vírus e a se defender  – isso sem nunca precisar se expor ao risco de encontrar o microorganismo e, claro, adoecer.

    IMPORTANTE: ESTA TECNOLOGIA NÃO “INSERE UMA PÁGINA” NO NOSSO MANUAL DE INSTRUÇÕES, QUER DIZER, NÃO ALTERA O NOSSO DNA. É, PORTANTO, COMPLETAMENTE INCAPAZ DE ALTERAR O NOSSO MATERIAL GENÉTICO. Além disso, embora a tecnologia seja nova no seu uso em vacinas, o uso de mRNA para tratamento de doenças tem sido testado em várias frentes em humanos há alguns anos, sem efeitos colaterais importantes. Mais informações neste artigo publicado pela revista Nature in 2018.

    [Para quem quer saber mais: a vacina contém as instruções – codificadas pelo mRNA – para a fabricação de uma proteína viral que é parte da cápsula externa do vírus. Este mRNA é entregue pela vacina envolto por uma camada de gordura, que estabiliza e protege a molécula e a ajuda e penetrar nas células. A proteína codificada é chamada Spike e é fundamental na estratégia viral de invadir as nossas células, mas sozinha é incapaz de causar doença. É como uma peça retirada de um motor de carros: sozinha, ela não anda. Ao ensinar a célula a produzir estas proteínas e apresentá-las a outras células, o corpo aprende a identificá-las como alvo. A partir deste momento, se o nosso organismo encontrar com o vírus que contém esta proteína, nossa defesa já estará armada.]


  • Número de doses: 2, com intervalo de 21 dias entre elas para a vacina da Pfizer e 28 dias para a da Moderna.
  • Segurança: nenhum efeito adverso grave foi relatado (doença grave ou morte). Entretanto, a maior parte dos voluntários teve efeitos colaterias leves e temporários (um a dois dias de duração), tais como cansaço, dor de cabeça, dor muscular e dor no local da injeção.
  • Eficácia: os estudos mostram que estas vacinas proporcionam uma proteção altíssima contra a COVID-19 – acima de 90% de eficácia. 

Vantagens:  

  • por imitar a forma como o vírus infecta a célula, acredita-se que a proteção induzida pela vacina possa ser maior e mais duradoura que as outras opções disponíveis;
  • uma vez construído o “molde” do mRNA, a produção em larga escala é muito mais fácil e rápida que as tecnologias comuns, que precisam cultivar o vírus (um processo sempre trabalhoso, caro e lento).

Desvantagens:

  • pela delicadeza das moléculas de mRNA, estas vacinas precisam ser transportadas e armazenadas em temperaturas muito mais baixas que o habitual. A maior parte das vacinas são armazenadas entre 2 e 8ºC, mas as novas vacinas necessitam de temperaturas muito abaixo de zero (-20ºC para a Moderna e -70ºC para a da Pfizer). Em um país como o nosso, por exemplo, conseguir distribuir esta vacina em grandes centros pode ser possível, mas chegar ao nosso extenso interior, parece um desafio muito, muito grande.
  • como uma tecnologia nova em vacinação, precisamos entender se o perfil de segurança se manterá o mesmo, assim como se  conseguirá manter a proteção alcançada por longo prazo.

 

No próximo post, falaremos de outras tecnologias.

 

Até lá!