Como eu ia dizendo no post anterior (se não leu sobre o que é vacina, clique aqui), a empresa de biotecnologia americana Moderna divulgou resultados promissores de uma vacina em desenvolvimento contra o COVID-19. Mas o que isso significa?

Primeiro, veja bem, não se produz uma vacina rapidamente. É um processo difícil, trabalhoso, caro e que leva muitos, muitos anos! Às vezes, não conseguimos ainda – como é o caso do HIV, por exemplo. Para se ter uma ideia, o desenvolvimento de uma vacina precisa, resumidamente, das seguintes etapas:

  1. Entender qual é o microrganismo que causa a doença;
  2. Identificar que parte dele pode ser usada para ensinar o nosso organismo a se defender;
  3. Testes em laboratório;
  4. Se os testes em laboratório são válidos e positivos, fazemos um primeiro teste em humanos saudáveis (poucas pessoas) para avaliar se a vacina é segura ou se causa problemas graves (até a morte) e se induz alguma resposta no corpo humano;
  5. Passou no teste de segurança e induz resposta? Ótimo! Agora testamos em muito mais gente – centenas de pessoas, incluindo gente em grupo de risco (pessoas com outras questões de saúde) – para ter certeza de que a vacina funciona;
  6. Tudo certo? Agora paramos de controlar as condições da população que recebe a vacina e a testamos na “vida real” com milhares de pessoas;
  7. Agora, finalmente, a vacina é produzida e comercializada – mas ainda permanece sendo monitorada enquanto aplicada na população em geral.

Ao ler os documentos da Moderna (disponíveis em inglês aqui), começamos a compreender melhor o que é que a companhia chama de “bons resultados”. O estudo, que é feito em parceria com o NIH (Instituto Nacional de Doenças Infecciosas dos EUA), começou no dia 16 de março deste ano (leia aqui). A vacina – até aqui chamada de mRNA-1273 – já passou pelas fase 1, 2, 3 e 4. Isso é um gigantesco avanço em tão pouco tempo! Segundo o estudo, a vacina foi testada em 45 voluntários e foi considerada segura, além de provocar no organismo destas pessoas a mesma defesa que percebemos nos indivíduos que se recuperaram da COVID-19. Estes são sim, até o momento, excelentes resultados! É por isso que a companhia vai passar à fase 2 de testes em humanos (passo 5 na lista aí de cima).


Entretanto, este número de pessoas é muito pequeno para se chegar a qualquer conclusão definitiva. Lembra quando falamos das evidências científicas? Pois bem, precisamos de mais evidências tanto da segurança quanto da eficácia – e é por isso que seguimos a pesquisa adiante. Estas etapas são ainda mais importantes quando falamos nesta vacina da Moderna, porque ela utiliza uma tecnologia que nunca foi usada antes (um pedaço do material genético do vírus – o mRNA – ao invés de um pedaço da estrutura do microrganismo ou o vírus vivo, mas enfraquecido, que é o que utilizamos nas outras). A tecnologia, inclusive, ainda está sendo aprimorada. Então a atenção à segurança da vacina é mais importante do que nunca! Pode ser que o desenvolvimento desta tecnologia seja o pulo do gato que precisávamos para ajudar em muitas outras doenças. Mas também pode ser que não funcione em um grupo maior ou que cause efeitos colaterais que não esperávamos.

Além disso, só tivemos acesso aos dados imunológicos de 8 dos 45 pacientes, o que gera muita dúvida. Também, ainda que tudo esteja correto, não conseguimos saber por quanto tempo esta imunidade duraria – dias, meses, anos? Ainda faltam muitas informações para que tudo seja mesmo esclarecido.

Mais uma vez, a palavra é paciência.


Mas também não por muito tempo. Registrados hoje, temos 94 estudos sobre vacinas na COVID-19 (você pode acompanhar esta informação aqui).  O da Moderna é só um deles. Outros também já estão adiantados. Esta não é uma corrida só para salvar pessoas, mas é uma corrida pelo pote de ouro: quem conseguir uma vacina segura e eficaz primeiro, vai ser capaz de vender esta vacina para o mundo inteiro – e lucrar muito, mas muito mesmo com isso. Só ontem, por exemplo, as ações da Moderna subiram mais de 30%, fazendo com que o valor da companhia chegasse a quase 25 bilhões de dólares (leia aqui). É, BILHÕES. É por isso que tantas companhias e países estão em busca desta resposta. Importante para eles, crucial para nós, que estamos testemunhando uma revolução tecnológica como nunca antes.


E se conseguirem a vacina? Todo mundo vai receber?  É isso que muitos países estão buscando entrar em acordo durante a 73ª Assembleia da Organização Mundial da Saúde que está acontecendo agora – a distribuição de uma eventual vacina para todos como um “bem comum” (leia aqui). Se isso vai acontecer? Como será feita essa distribuição? Receberão primeiro os países em maior risco? Quem pagará por isso? Na população, quem receberá primeiro?  Estas são perguntas para as quais a Saúde Pública ainda não tem resposta.

Aguardemos as cenas dos próximos capítulos.

Até breve,

Drª Luana