Você deve estar ouvindo bastante essa frase em todos os meios de comunicação nos últimos tempos: “Não há evidência científica para o uso desta medicação” ou “não precisamos de evidências científicas fortes nesse momento” e por aí vai. Mas o que é que significa isso?
Que tal aproveitar a situação para entender como as conclusões científicas são alcançadas?
Chamamos de Evidência Científica aquela informação que obtemos através de estudos e métodos que eliminam a chance daquele resultado ser fruto do acaso ou de outras circunstâncias. Não é fácil, nada no universo é isolado. Ainda assim, tentamos ter o máximo de certeza possível de que aquela conclusão é verdadeira.
Quer um exemplo relativamente simples? Vou simplificar para ilustrar. Um remédio para dor, por exemplo. Fazemos estudos para entender se duas pessoas com o mesmo nível de dor, iguais em todas as outras características delas e do ambiente que as cercam, tomando uma um remédio e outra um placebo (substância sem efeito), se elas têm o mesmo nível de redução de dor.
Quer um exemplo mais difícil? O ovo e seu papel no aumento do colesterol. É muito difícil achar duas pessoas completamente iguais, com a mesma alimentação, o mesmo grau de exercício físico, genética semelhante, metabolismo compatível, para entender se adicionar o ovo tem algum tipo de repercussão no nível de colesterol das duas. É por isso que, dependendo do método do estudo, achamos essa ou aquela conclusão.
Além disso, as informações mudam, as descobertas, o comportamento das pessoas, tudo influencia a Ciência, que é um organismo vivo que absorve todas essas nuances.
E, importante lembrar, não adianta comparar somente duas pessoas – o exemplo foi só para ilustrar mesmo. Estudos científicos são conduzidos com dezenas, centenas, às vezes milhares de pessoas, dependendo do que se quer pesquisar.
Isso tudo é pra mostrar o quão difícil é produzir uma evidência científica de qualidade. Uma informação que possa ser passada para o público com algum nível de certeza e de proteção, porque na Medicina e na Saúde Pública, estamos falando de milhões de pessoas que podem estar sob risco no caso desta evidência ser fraca ou, pior, errada. E a primeira cláusula do juramento médico diz “primum non nocere“, que significa antes de tudo, não fazer mal.
É por isso que nem seu vizinho, o youtuber, a musa fitness, seu jornalista, seu secretário de saúde, seu prefeito, o ministro da saúde, nem mesmo o médico com 50 anos de experiência não produzem exatamente evidência científica. Produzem opinião, que pode ser mais ou menos balizada. Mas é só isso: opinião. Opinião tem muito mais chance de resultar em erro gravíssimo, que pode custar a vida de muita gente.
Evidência Científica é outra coisa.
Opinião não é Ciência: você pode discordar da Lei da Gravidade, mas se resolver saltar, você sempre vai voltar a ter os pés no chão.
PS1: cada vez mais faremos menos estudos em animais. Felizmente, depois de muito tempo de estupidez, estamos investindo em modelos não animais para estudo – muito mais éticos e adequados a nossa própria espécie. Ponto pra gente. 🙂
PS2: Já tinha escrito um texto semelhante para o Facebook, mas acho fundamental que ele esteja aqui para o alcance de todos!
Até breve,
Drª Luana
Related posts
9 Comments
Deixe um comentário Cancelar resposta
Assuntos
- Blog (6)
- COVID-19 (7)
- Educação (1)
- Infectologia (5)
- Saúde (3)
- Saúde Pública (5)
- Sem Categoria (6)
Seja avisado dos novos posts!
* Receba avisos todas as vezes em que tivermos novos posts!
Adorei saber que está havendo menos testes com animais!
Dra. Luana, seu depoimento na CPI da COVID hoje reacendeu em nossos corações a esperança num mundo mais ético! Sou gratíssima por vê-la praticar a comunicação em saúde pública de forma competente assim!
Deus lhe abençoe e inspire sempre!
E a observação ? A medicina tb não se faz pela observação?
Menos 20% dos remédios usados em cardiologia ou ginecologia possuem estudos quantitativos robustos.
Olá Andre,
a observação é parte da metodologia científica, mas tem força de evidência muito baixa. Tem seu valor bastante restrito, não podendo ser guia para todas as situações – muito pelo contrário.
Abraços!
Um dos melhores textos sobre evidência científica.
Muito obrigada, Lisiane!
Dra. Luana, bom dia!
Que referências você sugere para estudos sobre saúde baseada em evidências e metodologia científica?
Olá Paulo!
Depende do nível de aprofundamento. Existem cursos gratuitos em plataformas como Coursera, que podem ajudar bastante, principalmente no aprendizado de epidemiologia e metodologia científica. Espero que ajude!
Abraços!
Texto muito didático. Parabéns Dra.Luana