Se não funcionou nas infecções virais, por que então testar no COVID-19?

A SARS-CoV-19, nome científico da COVID-19, é uma doença nova causada por um vírus novo. Novo, mas não tão distante assim de outros que apareceram na última década. Desde 2002, como expliquei no segundo post deste blog (clique aqui para ler),  outros coronavírus apareceram causando problemas graves, mas não tão disseminados quanto a COVID-19. Entretanto, eles também foram testados quanto a suscetibilidade à CQ/HCQ: novamente, em laboratório, tudo certo. Já em seres humanos… nada feito.

Mas, como a COVID-19 se mostrou grave e não tínhamos nenhuma medicação que pudesse ser usada com confiança no tratamento contra ela, passamos a utilizar no paciente grave tudo o que, teoricamente, poderia ter algum resultado. Isso se chama uso compassivo. Este uso só é autorizado em ambiente controlado e com pacientes em alto risco de morte, já que é uma medida desesperada de salvação e que pode botar pessoas com quadros menor gravidade em risco tão grave quanto.


E quais são os resultados?

Os os estudos científicos de qualidade que foram feitos até agora (como este, este e este) utilizaram a CQ/HCQ em pacientes hospitalizados. Ou seja, pacientes cuja doença já tinha uma certa evolução. E todos os resultados são os mesmos: o uso da cloroquina e/ou da hidroxicloroquina, com ou sem antibióticos associados, NÃO MOSTRA RESULTADO POSITIVO DIFERENTE DE NÃO SE USAR NADA E AINDA PODE LEVAR PACIENTES A ÓBITO.

Veja bem, isto é uma declaração muito séria. O uso destas medicações não só não impediu as pessoas de morrer, como colocou muitas delas em risco aumentado de morrer – principalmente de problemas cardíacos.

Mas espere aí! Se as pessoas que têm as outras doenças tratadas com a cloroquina não morrem disso, por que isso aconteceria na COVID-19?

Como explicado no post anterior (clique aqui), os efeitos colaterais da cloroquina/hidroxicloroquina dependem da dose utilizada, do tempo de uso e da doença que está sendo tratada. Acontece que, mesmo que a dose seja semelhante à utilizada na malária, por exemplo, e o tempo de uso da medicação seja breve, o coronavírus SARS-CoV-19 não ataca somente os pulmões, mas também diretamente o coração. E aí é que a situação fica difícil. Pensem comigo:

  • a doença é mais grave em pacientes que já têm outras doenças, as chamadas comorbidades, principalmente aquelas que prejudicam coração e pulmões. E isto pode ser tão simples quanto ter pressão alta ou mais raro quanto ser um transplantado cardíaco, por exemplo. Ou seja, é pior em quem o coração já não está na sua melhor forma;
  • O vírus ataca diretamente o coração em casos com ou sem quadros respiratórios! Alguns pacientes têm apresentações que não são tão comuns, as quais chamamos atípicas, em que há doença no coração e os pulmões não estão doentes;
  • Aí, ao tratarmos, optamos por uma droga que, entre seus efeitos colaterais, atrapalha a forma como os batimentos cardíacos acontecem (um distúrbio de condução elétrica, como chamamos), causando arritmias que podem ser muito graves;

É uma receita ruim: coração já doente + vírus atacando o coração + medicação que não deixa o coração bater da forma correta. É por isso que algumas pessoas têm tido tantos problemas com a CQ/HCQ.

Alguns estudos, inclusive, mostram que no grupo de pessoas que tomou a cloroquina morreram mais pacientes do que naquele que não tomou. Ou seja: a cloroquina/hidroxicloroquina não têm benefício que valha o risco de fazer uso delas nos pacientes graves com COVID-19.


É uma receita ruim: coração já doente + vírus atacando o coração + medicação que não deixa o coração bater da forma correta.


Mas e se a gente usar, então, nos casos mais leves? Ou bem no começo? Funciona?

A resposta curta é: NINGUÉM SABE. Mas, num exercício de investigação, vamos pensar juntos os prós e os contras de fazer isso.

Como vantagens, poderíamos pensar:

  1. O paciente estaria menos grave. É verdade. Se fizermos a droga no começo, o paciente talvez não tivesse num estado tão complicado. Mas, infelizmente, existem dois problemas nisso: o primeiro é que a droga não provoca problemas cardíacos só no paciente grave, como mostra este estudo aqui; segundo, não temos como dizer para quem a droga seria segura mesmo em casos leves. É uma roleta russa.
  2. Se fizermos logo no começo, dá tempo da droga fazer efeito. Este é um argumento usado por quem acha que, naqueles estudos citados, a CQ/HCQ estaria sendo usada “tarde demais”. A questão é que a cloroquina não é uma droga para doenças agudas. Como explicado no post anterior, se ela não tem ação direta sobre o microorganismo (o que acontece na malária, por exemplo), ela precisa de muito tempo para conseguir fazer efeito sobre a imunidade. Em pacientes com lupus, por exemplo, isso pode levar de 1 a 3 meses! Portanto, para contar com o efeito imunomodulador da CQ/HCQ, não podemos pensar que em uma ou duas semanas teremos qualquer efeito. Ainda assim, estudos para uma resposta definitiva sobre isso estão sendo feitos no mundo inteiro.
  3. Mas e se fizermos como profilaxia? Ou seja, para todo mundo para evitar ter a doença? Não há nada, até o momento, que justifique fazer uma medicação que pode colocar muita gente sob risco grave sem certeza de que isso traz um benefício real.

O que eu faço então?

Mantenha o seu corpo funcionando da melhor forma possível: beba bastante água, alimente-se de forma saudável e variada com muitas frutas, verduras e legumes, movimente-se mesmo que em casa e procure dormir bem. Pode parecer pouca coisa, mas esta é a receita para que a sua imunidade tenha o melhor desempenho. Não deixe de tomar os seus remédios habituais, tampouco tome nenhuma medicação sem a certeza de que ela lhe traz mais benefício do que risco.

Proteja-se respeitando as regras do distanciamento físico o máximo possível. Higienize sempre as mãos com água e sabão ou com álcool-gel, e evite levar as mãos ao rosto.

É natural que todos fiquemos ansiosos, mas uma medicação melhor e uma vacina eficaz estão a caminho! Precisamos todos de calma e paciência!


RESUMO SOBRE HIDROXICLOROQUINA NA COVID-19 (até dia 17/maio/2020)

  • os estudos que utilizaram cloroquina/hidroxicloroquina em pacientes graves NÃO MOSTRARAM BENEFÍCIO NO SEU USO;
  • o estudo que utilizou hidroxicloroquina em pacientes com doença leve/moderada NÃO MOSTROU BENEFÍCIO NO SEU USO;
  • a hidroxicloroquina é uma excelente medicação para malária e doenças reumatológicas, e não podemos privar estes pacientes de recebê-la quando necessário;
  • você, que tem caso leve/moderado, não tem como saber se fará efeito colateral grave tomando a medicação sem comprovação de benefício (principalmente se for ao mesmo tempo que a azitromicina, um antibiótico que tem o mesmo efeito colateral sobre o coração que a hidroxicloroquina). Portanto, tenha muito claro em mente que corre um risco, até o momento, não mensurado.
  • Alimente-se bem, beba bastante água e mantenha, o máximo possível, a sua higiene de mãos e o distanciamento físico. É a melhor receita para evitar a COVID-19!

Até breve,

Drª Luana