Medicação antes conhecida apenas por quem já teve malária ou certas doenças reumatológicas, como o lúpus, a cloroquina se tornou o remédio mais comentado do mundo nos últimos 4 meses por um alegado efeito positivo no tratamento da COVID-19. Você já foi perguntado, muito provavelmente, se é contra ou a favor do seu uso. Mas a minha pergunta aqui é outra: VOCÊ SABE O QUE É A CLOROQUINA? E A HIDROXICLOROQUINA?


Antes de mais nada: não existe medicação 100% segura, não importa o quão eficaz ela seja.


Agora vamos lá.

Quem são?

Conta a lenda que os nativos americanos da região dos Andes descobriram que a casca de uma árvore chamada Chichona era capaz de curar a malária, doença que foi levada para a região pelos colonizadores europeus¹. A casca desta árvore é rica em uma substância chamada quinino, a partir da qual a cloroquina foi sintetizada em laboratório em 1934, na Alemanha. A medicação foi usada pelos soldados que lutavam na região do Pacífico Sul na Segunda Guerra Mundial para prevenir e tratar a malária, que, à época, dizimava populações. Entretando, muitos efeitos colaterais mostraram seu efeito tóxico significativo, levando à necessidade do desenvolvimento de outra substância com menos efeitos colaterais graves.

Daí nasceu a hidroxicloroquina, um derivado da cloroquina produzido em laboratório e utilizado pela primeira vez em 1955. A hidroxicloroquina tem um perfil menos tóxico e mais tolerável que sua “molécula-mãe” e é usada até hoje sem nenhuma modificação da sua estrutura. O uso em massa durante a guerra levou à descoberta feliz de que a droga também tinha ação sobre a artrite reumatóide e o lúpus.


Como funcionam?

A cloroquina/hidroxicloroquina (CQ/HCQ) têm dois mecanismos principais:

  • Alteração do pH intracelular nos parasitas. Os parasitos da malária se desenvolvem dentro das hemácias, as células vermelhas do sangue do hospedeiro. Para fazer isso, elas precisam digerir a hemoglobina presente nas hemácias e eles são capazes de fazer isso porque têm um “estômago” ácido (chamados vacúolos alimentares). A presença da CQ/HCQ altera esse pH, deixando-o menos ácido e matando o parasito². Este efeito é CONHECIDO E COMPROVADO.
  • Imunomodulação.  A CQ/HCQ é capaz de diminuir a expressão de alguns receptores nas células de defesa que inibe a reação exacerbada do sistema imunológico² – o que ajuda nas doenças reumatológicas;
  • Antiviral. A alteração do pH das células pela CQ/HCQ também teria um efeito antiviral in vitro documentado contra muitas infecções, como influenza A, B, zika, dengue e até contra o HIV². Ou seja, em laboratório, em células, a droga funciona. Infelizmente, quando testada em pacientes, este efeito nunca se comprovou real.

Mas e no corpo?

A absorção da CQ/HCQ é bastante lenta – de 4 a 6 horas – e se distribui amplamente pelos tecidos do corpo. Para ser eliminada dele, no entanto, leva 40 a 50 dias para nos livrarmos de metade da sua concentração! Essa diferença entre a absorção e a excreção faz com que a medicação precise de um tempo muito grande para ter uma concentração estável no sangue para que possa exercer plenamente o seu efeito na imunidade. Daí a importância da HCQ nas doenças reumatológicas, que têm curso crônico e um tratamento longo.


Quais os efeitos colaterais?

O risco de efeitos colaterais é maior quanto mais prolongado é o uso da droga: perda da visão (retinopatia), problemas musculares (miopatia), alteração de coloração da pele (hiperpigmentação), alterações sanguíneas (anemia, trombocitopenia, leucopenia, agranulocitose, dentre outras) e alterações cardíacas (hipertrofia cardíaca e alterações elétricas)³. Há também efeitos como náuseas, vômitos e diarreia.

No uso agudo, quer dizer, curto e rápido, os efeitos colaterais dependem da dose utilizada e da doença de base (mais sobre isso no próximo post ).


E quando funciona?

  1. Malária? SIM. Nas formas da doença quando causada por parasitos específicos (já existe resistência à droga em muitos outros);
  2. Doenças Reumatológicas? SIM, como no lúpus e na artrite reumatóide.
  3. Infecções Virais? NÃO, só houve resultado em laboratório, nunca tendo sido provado que funciona em humanos.

E NO COVID-19?  Vamos ao próximo post. 🙂 

 


Referências

  1. http://www.invivo.fiocruz.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=828&sid=7
  2. Savarino A, Boelaert JR, Cassone A, Majori G, Cauda R. Effects of chloroquine on viral infections: An old drug against today’s diseases. The Lancet Infectious Diseases. 2003;3(11):722-727. http://dx.doi.org/10.1016/S1473-3099(03)00806-5. doi: 10.1016/S1473-3099(03)00806-5.
  3. Shippey EA, Wagler VD, Collamer AN. Hydroxychloroquine: An old drug with new relevance. Cleveland Clinic journal of medicine. 2018;85(6):459-467. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/29883308. doi: 10.3949/ccjm.85a.17034.